A rede social que não pode ser vendida: porque Mastodon, e não Bluesky.

No ambiente em formação que é o Fediverso, duas propostas concorrentes polarizam os interessados: Mastodon e Bluesky. Embora ambas aplicações prometam controle aos usuários, a forma como os serviços foram constituídos contam histórias muito diferentes, o que pode determinar futuros distintos para seus participantes.

Tradução livre do post: The Social Network That Can’t Sell Out: Understanding Mastodon vs. Bluesky, por Phillip Reese.

Nos últimos anos, todos aqueles que se acostumaram a utilizar redes sociais vem sofrendo com a queda de qualidade dos conhecidos serviços comerciais. Podemos indicar que, repetidas vezes, as decisões das corporações sobre o funcionamento destes ambientes digitais são determinadas pelo aumento do lucro das empresas. Por outro lado, a rede social que em algum momento logrou demonstrar o potencial da ideia da praça pública digital — o X-Twitter — foi adquirida por um bilionário que utiliza a ferramenta para difundir posições autoritárias. Para bons observadores, está claro que é necessário buscar alternativas.

A boa notícia é que já existem alternativas, em um ambiente denominado “Fediverso”: uma rede de plataformas sociais descentralizadas que são, em grande medida, construídas e geridas por seus participantes. Neste ambiente muitas coisas estão acontecendo em termos de inovação, pois a crise das redes sociais corporativas teve consequências em todo o mundo, e muitos profissionais que trabalham com tecnologia web já migraram e são entusiastas do Fediverso. Podemos dizer que em alguns países, especialmente na Europa, temos iniciativas sendo alavancadas em governos e universidades. Aqui no Brasil ainda estamos começando, mas o momento é excelente para conhecer e aprender sobre este novo ambiente digital, que pode ser verdadeiramente público.

Os astros da disputa: Mastodon e Bluesky.

O Mastodon, ao ser desenvolvido em uma organização constituída como sem fins lucrativos, e ser gerido por comunidades independentes — tornou-se essencialmente blindado ao risco de cair no padrão familiar de “enshittification” das mídias sociais, onde as plataformas gradualmente pioram à medida que buscam lucros. O Bluesky, apesar de sua tecnologia inovadora e das boas intenções, é construído sobre a mesma base apoiada por capital de risco que levou tantas plataformas promissoras a eventualmente priorizar os acionistas sobre os usuários. Essa diferença estrutural não é apenas um detalhe técnico, é a chave para entender por que o Mastodon — apesar de ser um pouco mais desafiador para começar — representa nossa melhor chance de construir uma verdadeira “praça pública” na internet que beneficie a todos.

O poder da verdadeira descentralização

Em 2025, pode parecer estranho imaginar serviços que não são movidos pelo lucro. Mas desde o início da internet, milhões de pessoas têm construído as tecnologias que alimentam sua vida digital não por dinheiro, mas pelo amor à criação. O Linux, sistema operacional de código aberto que executa a maioria dos servidores (incluindo o deste site), é um exemplo perfeito. As primeiras redes sociais como LiveJournal e Friendster eram projetos de paixão, não centros de lucro.

Esse mesmo espírito impulsiona o Mastodon e o Fediverso. Pense nesse arranjo como algo parecido com o e-mail: servidores independentes se comunicando por meio de protocolos compartilhados, dando aos usuários controle total sobre seus dados e interações. Descentralizado e não comercial.

Mastodon vs. Bluesky: a história de dois futuros

Fundado em 2016, o Mastodon representa totalmente esse ethos do trabalho por amor à causa. Qualquer pessoa pode configurar seu próprio servidor Mastodon (chamado de ‘instância’), convidar pessoas para configurar perfis nessas instâncias (como caixas de e-mail em um domínio), e esses servidores podem se comunicar entre si, como e-mails de diferentes domínios se comunicando entre si. Cada instância é como uma pequena comunidade com suas próprias regras e cultura, mas os usuários ainda podem seguir e interagir com pessoas em outras instâncias, assim como você pode enviar e-mails para pessoas que usam provedores diferentes.

Essa estrutura é mantida por uma organização sem fins lucrativos alemã que desenvolve o software principal, mas — crucialmente — não controla a rede em si. Pense nisso como um jardim comunitário em vez de uma fazenda corporativa: enquanto os canteiros individuais do jardim (instâncias) são cuidados por seus próprios jardineiros com suas próprias regras, todos estão usando as mesmas ferramentas básicas e podem compartilhar uns com os outros. Essa abordagem orientada pela comunidade significa que nenhuma entidade única pode fazer mudanças abrangentes que afetem todos os outros. E se os usuários não gostarem de como sua instância está sendo gerida, eles podem simplesmente mudar para outra, ou começar a sua própria.

O Bluesky surgiu em 2019 como um projeto iniciado pelo então CEO do Twitter, Jack Dorsey, que imaginou criar um novo padrão para as mídias sociais. Embora compartilhe algumas aspirações utópicas abertas com o Mastodon, o Bluesky adota uma abordagem diferente. Ele opera por meio do Protocolo de Transferência Autenticada (AT Protocol), que usa Servidores de Dados Pessoais para armazenar informações do usuário e permite que os usuários se movam entre provedores, semelhante a como você pode trocar de operadora de celular mantendo seu número de telefone.

A plataforma é intencionalmente construída para parecer familiar aos usuários do Twitter, desde sua interface até seu feed algorítmico ‘O que está em alta’. Embora o Protocolo AT seja oferecido gratuitamente e de código aberto para desenvolvedores, o Bluesky em si é uma startup centralizada apoiada por capital de risco, seguindo o modelo tradicional do Vale do Silício que produziu Facebook, Twitter e Instagram. Isso significa que há um único lugar para se inscrever no Bluesky, assim como no Twitter ou Facebook. No entanto, isso também significa que, apesar de suas boas intenções, o Bluesky eventualmente enfrentará as mesmas pressões que levaram outras plataformas sociais a priorizar o engajamento e a monetização sobre a experiência do usuário – os mesmos problemas que levaram muitos usuários a buscar alternativas em primeiro lugar.

A verdadeira diferença: algoritmos vs. agência

Vamos ser honestos: começar com o Mastodon exige mais esforço. Você precisa escolher uma instância (embora o mastodon.social agora ofereça inscrição mais fácil), entender novos conceitos como linhas do tempo federadas e possivelmente configurar um aplicativo móvel. Mas essa complexidade não é um defeito, é uma característica — e é um resultado direto de colocar o verdadeiro poder nas mãos dos usuários. Uma vez que você entenda esses conceitos básicos, o que geralmente leva apenas alguns dias de uso regular, você encontrará algo notável: uma experiência de mídia social que você pode realmente controlar, livre da manipulação de algoritmos de engajamento e conteúdo patrocinado.

Imediatamente após configurar o Bluesky e seguir as poucas pessoas que conhecia, meu feed “Descobrir” estava cheio de homens meio nus. Não que eu me importe com homens meio nus, mas não preciso de ajuda para descobrir fotos de homens meio nus. Estou em uma rede social para me conectar com pessoas sobre coisas que temos em comum e coisas que nos interessam. Não para pornografia. Mas isso é o que meus amigos estavam clicando em “curtir” no Bluesky, então o algoritmo pensou que era isso que eu clicaria em “curtir”. Assim, o isolamento começa imediatamente no Bluesky, assim como em todas as redes comerciais. Ao contrário do feed algorítmico “Descobrir” do Bluesky, o Mastodon permite que os usuários controlem o que veem por meio de linhas do tempo locais e federadas. Não há algoritmo tentando construir um perfil psicográfico com base em pesos e regras e entregando conteúdo “envolvente” (ou seja, lucrativo), apenas conexões genuínas e descobertas.

Por que a estrutura importa

A estrutura do Mastodon como uma fundação sem fins lucrativos não é apenas uma tecnicalidade legal, é um escudo contra as forças que normalmente degradam as plataformas sociais online. O software é financiado por doações da comunidade e subsídios, o que significa que responde diretamente aos seus usuários em vez de acionistas ou anunciantes. Lembra quando o Facebook fingiu fazer isso por três anos e alguns meses? Este é o verdadeiro negócio. Cada instância independente pode definir seu próprio modelo de financiamento, seja por meio de doações de usuários, apoio institucional ou assinaturas comunitárias, mas, crucialmente, não há autoridade central que possa forçar as instâncias a implementar anúncios ou mudanças de algoritmo.

Este modelo de financiamento distribuído pode parecer menos ‘eficiente’ do que o capital de risco, mas esse é exatamente o ponto: ele impede que qualquer entidade única ganhe poder suficiente para substituir os interesses dos usuários em busca de lucro. Em contraste, a estrutura apoiada por capital de risco do Bluesky segue um padrão familiar e preocupante. Embora atualmente seja gratuito e experimental, a história nos mostrou o que acontece quando o capital de risco encontra as mídias sociais. A mesma história se repetiu várias vezes: uma plataforma é lançada com promessas ousadas sobre o empoderamento do usuário, ganha investimento maciço e inicialmente foca no crescimento e na experiência do usuário. Mas, eventualmente, esses investidores esperam retornos.

Primeiro vêm os feeds algorítmicos para aumentar o engajamento, depois a publicidade direcionada, depois a coleta e monetização de dados cada vez mais agressivas. Vimos essa transformação acontecer com o Facebook, Instagram, Twitter e inúmeros outros. O protocolo técnico do Bluesky pode ser descentralizado, mas sua estrutura corporativa contém as mesmas sementes de “enshitificação” que já arruinaram muitos serviços e plataformas promissores.

O caminho adiante

Enquanto aprecio que o Bluesky tenha apresentado a muitas pessoas o conceito de mídia social descentralizada, ele não resolve os problemas estruturais que afligem as redes comerciais. É uma interface mais amigável sobre o mesmo sistema orientado para o lucro que nos deu a enshittificação do feed de notícias, a podridão algorítmica e o capitalismo de vigilância.

O futuro das mídias sociais reside na verdadeira propriedade comunitária. Ao escolher o Mastodon, não estamos apenas escolhendo uma alternativa ao Twitter, estamos apoiando uma visão fundamentalmente diferente do que as mídias sociais podem ser. O futuro das mídias sociais depende de nós. Ao escolher plataformas como o Mastodon, defendemos a tecnologia orientada pela comunidade em vez da manipulação orientada pelo lucro.

Vamos construir juntos uma melhor praça digital — junte-se ao Fediverso hoje!

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