Fediverso 2.0: o fenômeno político que desponta no Brasil

A migração brasileira para o Bluesky, e o correspondente esquecimento do Mastodon, configura o cenário de emergência Política do Fediverso 2.0: a "rede das redes", um hub aberto e genérico para a interligação de universos parciais.

A sequência de acontecimentos das últimas semanas: (1) bloqueio do XTwitter no Brazil, (2) migração significativa para o Bluesky, (3) Mastodon esquecido pela mídia… fizeram emergir boas conversas e reflexões no ambiente de rede social livre, aberto e configurável que é o Fediverso.

A perspectiva mais interessante vem do Michael Foster (@[email protected]), fundador do NewsMast @[email protected] — aplicação de curadoria de notícias nativa do Mastodon. Michael enxerga este momento como um marco na emergência do Fediverso 2.0. O fechamento do Twitter no Brasil — a maior democracia da América do Sul — e a ocupação de outra plataforma em movimento com viés político, configuraria o cenário que fundamenta o ActivityPub / a SocialWeb como hub genérico que conecta as diferentes plataformas: WordPress, Flipboard, Ghost, Threads… — ou seja, sacramenta o Fediverso em uma posição de “rede das redes”.

Em seu instigante post, Michael aponta questões pertinentes sobre plataformas e protocolos, e sobre qual o significado de tornar-se um verdadeiro ‘hub’ em um universo de redes sociais distribuídas:

Threads limitou sua Federação como unidirecional, Bluesky limitou a federação bidirecional através da ponte. Portanto, Bluesky já faz parte do Fediverso mais amplo—nos dando outro motivo para celebrar a migração brasileira. Há até uma rota técnica surgindo para a federação com a Nostr—se conseguirmos suportar a turma do MAGA que a administra e encontrar uma maneira de nos conectar diretamente com Rabble e Nos.social.
“Brazil, Bluesky & the Fediverse” – Michael Foster – 04/09/24

Para melhor ilustrar sua tese, Michael conta que na última semana um dos pioneiros do Fediverso, Evan Prodromou (@[email protected]), soltou uma provocação em formato de enquete no Mastodon, perguntando a opinião dos cidadãos sobre a possibilidade do YouTube aderir ao Fediverso. Como esperado em conversas deste tipo entre “nós federados”, a enquete gerou debate acalorado, com declarações fortes em posicionamentos diversos.

Enquete no Fediverso: “O YouTube deveria federar?”

Ao comentar os resultados da enquete, Evan justificou sua posição (Strong Yes!) afirmando que o Youtube cumpre todos os requisitos para federar em ActivityPub: “trata-se de um serviço de “publicação digital social”, com subscrições (follows), likes e comentários”. Evan disse ter ficado espantado com algumas reações (Strong No!) que diziam que tal fato nunca deveria acontecer, e tal questão não deveria ter sido nem levantada.

Embora à princípio possa parecer impossível, Evan argumenta que, com algum esforço de imaginação, podemos conceber cenários em que a integração com o Fediverso se torne interessante para o YouTube – um gigante, único em sua categoria na web:

  • Um bom motivo seria a situação em que o Fediverso se torne grande o bastante em termos de usuários para que a adesão à federação se constitua em uma vantagem econômica. Este é um cenário ainda bem distante, mas certamente não impossível.
  • Outro bom motivo, que pode estar bem mais próximo do que se imagina hoje, seria uma regulamentação proveniente de governos que introduza, para esta categoria das “publicações sociais digitais”, o requisito da conexão com o protocolo público.

Uma regulamentação deste tipo pode parecer distante, mas ninguém poderia prever que o Twitter seria fechado no Brasil por juízes do STF em 2024, e ao invés de serem execrados como censores antiquados, tais juízes seriam exaltados (internacionalmente, inclusive) como vanguarda contra a colonização digital das bigtech norte-americanas. Um aspecto crucial que o Michael Foster destaca em seu post sobre esse momento de emergência de “um novo Fediverso”, na relação com o fenômeno de migração para o Bluesky no Brasil, é a emergência de uma força POLÍTICA na correlação de forças para definição da arquitetura do futuro ambiente para as redes sociais.

Para que o Fediverso 2.0 seja um hub significativo, reunindo diferentes plataformas e protocolos, não podemos apenas fornecer encanamento para Meta e Google. Indo além de um debate sobre pessoas versus protocolos, precisamos adicionar um terceiro “P” que definitivamente não é de”Plumbing”: é de Política. O Fediverso não é nada se não um ambiente verdadeiramente político – um lugar para as pessoas se unirem e construírem comunidades fora dos jardins murados controlados pelas empresas.
“Brazil, Bluesky & the Fediverse” – Michael Foster – 04/09/24

A percepção dos fatos da última semana relacionados ao banimento do X no Brasil, analisados pela ótica da Política local, gera também boas reflexões. O podcast do Toledo com a Bilensky destacou este aspecto, enfatizando como em pouquíssimo tempo “as bolhas se separaram em plataformas distintas”:

Mesmo com acesso suspenso por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, o X (ex-Twitter) continua com cerca de 20% de seu movimento habitual no Brasil – segundo levantamento da consultoria Arquimedes… as publicações remanescentes são essencialmente de pessoas à direita no espectro político. A polarização que marcou historicamente o Twitter, com duas bolhas distintas de usuários, acabou. Praticamente não há mais usuários de esquerda que publiquem com frequência e volume no X desde a suspensão do acesso no Brasil. Esse público migrou para outras redes, mas principalmente para o Bluesky – rede criada por um dos fundadores do Twitter. Assim, as duas bolhas se separaram em plataformas distintas, sem mais contato entre si. São universos paralelos. E excludentes.
Suspensão do X no Brasil provoca universos paralelos nas redes” – Notícias UOL – 08/09/2024

Como bem observado pelo Michael do MastoNews, quando as bolhas ativadas por diferenças políticas se agrupam em aplicações diferentes, torna-se necessária a existência de um hub aberto e genérico para interligar estes universos parciais. Faz sentido que a Política interceda em favor deste ambiente aberto e genérico.

adicionar a dimensão política também nos ajuda a voltar ao que importa na migração brasileira para o Bluesky. Não são apenas pessoas migrando – Trata-se de ato profundamente político. O que é uma coisa boa! Portanto, precisamos apoiar, celebrar e nos conectar com o Bluesky como uma parte animada e em rápido crescimento do Fediverso político.
“Brazil, Bluesky & the Fediverse” – Michael Foster – 04/09/24

Observando aqui do Brasil, esta perspectiva de futuro para o ambiente das redes sociais apresentada no post do Michael Foster me pareceu muito pertinente. Trata-se de um reforço à visão que temos (no Instituto Brasileiro de Museus) sobre a importância do Fediverso como ambiente ideal para as políticas públicas digitais, e também para o ativismo e para a mídia progressista. Isto sem falar na enorme onda de inovação em tecnologia open source que emerge da possibilidade de customização da web aberta a partir das aplicações específicas do Fediverso em protocolos como o ActivityPub.

A enorme onda de inovação — Daniel Rodrigues surfa a maior onda de sua vida no BigWave 2024 em Itacoatiara, Niterói-RJ – Brasil (Manoel Regis/Instagram)

Achei que seria válido compartilhar estas reflexões com quem se interessa pelo tema. Será legal receber comentários.

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