
Estamos vivendo abalos sísmicos no ambiente digital. Transformações em série vêm impactando a web de maneira não vista nos últimos 15 anos, e nós, cidadãos ativos no ambiente digital, temos que estar atentos para nos adaptar, reavaliar escolhas e associações, e refletir se as aplicações que utilizamos ainda estão alinhadas ideologicamente com aquilo que queremos incentivar em nossas relações na Infosfera*.
De maneira especial, alguns fatos no último mês me levaram a decidir pela migração definitiva da aplicação de mensagens Telegram, do techbro russo Pavel Durov, para o aplicativo Signal, que tem como CEO a Meredith Witthaker. Tudo começa com um daqueles ‘debates espontâneos’ que hoje em dia acontecem lá no X, sobre qual aplicativo de mensagens seria mais seguro, o Telegram ou o Signal.
Por quase duas semanas, um debate esotérico tem dominado o X, anteriormente conhecido como Twitter: usuários preocupados com privacidade e segurança deveriam confiar no aplicativo de mensagens Signal ou seria a plataforma Telegram uma melhor alternativa? O chatbot do X, Grok AI, descreveu o momento em alta como “Telegram vs Signal: um confronto criptográfico”.
How a smear campaign against NPR led Elon Musk to feud with Signal – Renee DiResta – The Guardian – 18/05/2024
Meredith é bem direta em seu esclarecimento a respeito da confusão criada no ex-Twitter, pois na verdade Telegram e Signal são aplicações com objetivos distintos:
O Telegram é uma plataforma de mídia social com mensagens diretas (DMs). O Signal é um serviço de comunicação privada. Nós nos especializamos em comunicações interpessoais com o mais alto nível de privacidade. Muitas pessoas na Ucrânia e em outros lugares usam canais do Telegram para transmissões em redes sociais, grupos e outros recursos de mídia social que o Telegram oferece. Elas também usam o Signal para comunicações realmente sérias. Portanto, o Telegram é uma plataforma de mídia social e não é criptografado. É o menos seguro entre os serviços de mensagens e redes sociais.
Signal’s Meredith Whittaker on the Telegram security clash and the ‘edgelords’ at OpenAI – Mike Butcher – TechCrunch – 24/05/2024
Nesta altura em que redigia o post, vi a postagem do Rodrigo Ghedin, do Manual do Usuário, onde ele anuncia a migração do grupo de bate-papo do “Manual” do Telegram para o Signal. No link sobre o ataque às mulheres do Signal ele desenvolve bem que eu havia pensado.
Aquele papo esquisito Pavel Durov, CEO do Telegram, atacando as mulheres do Signal e o próprio Signal, não me desceu bem. Não foi a única estranheza do projeto, que, por exemplo, desde sempre flerta com criptomoedas e esquema suspeitos envolvendo elas.
De mudança para o Signal – Rodrigo Ghedin – 31/05/2024
Nesse ponto eu já não poderia seguir na linha em que o Rodrigo iluminou tão bem com seus posts. Daí fiz um comentário no @feed@manualdosuário, que é a conta ActivityPub que publica no Fediverso, dentre outras coisas, os posts do blog do Rodrigo — em cuja caixa de comentário vai o citado comentário (imagem abaixo), após reverberar no Fediverso. Olha que interessante! Dessa forma, alguns cidadãos desse ambiente de rede social sem algoritmos podem ficar curiosos com a minha postagem, e chegar no blog do Rodrigo; e vice versa, a turma do blog pode acabar vindo a experimentar o Fediverso.

E fiquei pensando na parte da resposta da Meredith onde ela esclarece a diferença: “O Telegram é uma plataforma de mídia social com mensagens diretas (DMs). O Signal é um serviço de comunicação privada.” De fato, na era de crescimento exponencial das plataformas, serviços que nasceram como “mensageiros” foram se tornando plataformas de mídia social porque o modelo de negócio assim demandou. Dessa forma, o WhatsApp torna-se praticamente infraestrutura pública em alguns países. (alô brazil!)
Agora estamos em um momento bem diferente. Observando as conexões inovadoras que emergem no ambiente descentralizado do Fediverso, as quais favorecem a capacidade em manter uma infraestrutura própria para a publicação online, o que inclui também uma certa autonomia em experimentar com tecnologias abertas acessíveis, deixa de fazer sentido publicar conteúdo autoral relevante em plataformas proprietárias — a não ser que você esteja sendo pago para tal. Em termos de comunicação digital de cidadãos comuns, podemos estabelecer dois caminhos: Se é comunicação privada, é no Signal. Se é conteúdo para consumo de diferentes audiências, é para ser lançado no Fediverso a partir de uma instância sobre a qual você tem algum controle, pessoal ou coletivo — para garantir privacidade e preservação digital.
É claro que estou ‘exagerando’… Isto é o que EU estarei fazendo a partir de agora. Mas eu larguei WhatsApp e o Instagram em 2016 (METAfree!), e portanto não sou cidadão padrão. Mas fica a provocação!
A verdadeira migração, portanto, é para o Signal! E dá muito gosto perceber que esta alteração significativa que começa a acontecer no ambiente digital vem de uma participação decisiva das mulheres. Sim, porque esta presença diferenciada introduz uma lógica completamente diferente, um raciocínio diverso, que traz um novo oxigênio para o ambiente digital. A Meredith vai MUITO no ponto em aspectos cruciais do debate tecnológico atual:
Não precisamos competir com os gigantes nos termos deles – por que deixá-los definir os termos desde o início? Podemos definir nossos próprios termos! Desde uma infraestrutura socialmente apoiada que gera aplicações e plataformas de comunicação mais governadas localmente, até uma redefinição – ou recuperação – do conceito de IA, afastando-se da abordagem de que maior é melhor, dependente de vigilância, em direção a modelos menores construídos com dados criados intencionalmente que atendem a necessidades sociais reais. Para infraestruturas centrais abertas, responsáveis e compartilhadas que, em vez de serem abandonadas e extraídas, são apoiadas e nutridas.
Die Rede der Zukunftspreisträgerin – Meredith Whittaker – 15/05/2024
E para finalizar, o que só uma mulher pode dizer com esse grau de propriedade.
É tão desrespeitoso. É tão desnecessário. E realmente desfaz o mito de que vocês são pessoas sérias no topo do conhecimento científico, construindo a próxima grande inovação, quando está muito claro que a cultura é pautada por travessuras de vestiário incentivadas por um monte de bajuladores que acham que todas as piadas são engraçadas porque são pagos para isso. E ninguém que lá está assume uma posição de liderança para dizer: “O que diabos vocês estão fazendo?!”
Signal’s Meredith Whittaker on the Telegram security clash and the ‘edgelords’ at OpenAI – Mike Butcher – TechCrunch – 24/05/2024